quarta-feira, novembro 06, 2002

Primavera

Aquele inverno foi longo. E muito solitário. Havia gente do meu lado, mais do que uma pessoa aliás, mas a sensação de solidão era mais forte que qualquer uma daquelas presenças. E quando olhava em volta a impressão que tinha era de que ainda havia muita neve para cair, muitas dificuldades a superar e fome a saciar, mas não a de alimento, mas sim de paz e de sentimentos bons. Diga-se de passagem, muito escassos naquele período. Mas, na medida do possível, levantei a cabeça e olhei para a frente. E baixei o olhar novamente, pois a escuridão era total. Assim como o desânimo, e o desespero.
Mas como disse “aquele inverno FOI longo”, ou seja, ele acabou. E é essa a história que conto a você.

Tudo estava muito triste e as expectativas não eram das melhores. Fui à luta e por mais que encontrasse alguém para me acompanhar, nada funcionada por que não havia química, interação, simpatia. Tudo era frio, calculado, físico. E minha busca continuava.
Depois desse longo e tenebroso inverno, ao olhar para fora pude, enfim, ver alguma esperança. Vestida de branco e com um sorriso envolvente no rosto, lá estava ela, distante, mas de qualquer maneira estava lá. Outras haviam ocupado aquele lugar, me dado esperança, mas eu, tola e imaturamente, não havia aproveitado nenhuma das ocasiões e o resultado foi o surgimento de um homem educado, mas frio; simpático, mas isolado; belo, mas triste.

O fato é que ninguém estava preparado para nada e tornei-me fruto de meus erros. Infelizmente, mas do alto de minha arrogância, nada via além de minhas grandiosas conquistas, que me garantiam um passado imponente, um presente solitário e deprimente, e um futuro negro. E era isso que eu via, até que ela surgiu no horizonte.

Teria sido muito mais fácil manter a máscara de cara superior e seguir a decisão de não deixar mais ninguém entrar no mundo imensamente dominado pelo meu ego. Mas algumas coisas não são escolhidas, e o homem triste sofreu aí sua primeira derrota – é claro, que na visão de sua mentalidade mesquinha e tapada. Alguém rompeu as defesas e penetrou fundo, mesmo sem saber, num campo perigoso e fechado há muito tempo.

Até aqui pode passar a impressão de tudo isso não passar de mais uma daquelas histórias tolas sobre sentimentos, alegrias e superação que vemos nos antigos contos, ao redor das fogueiras nas doces noites da primavera, ou em mesas de jantares com antigos amigos. Oh, a primavera. Como ela me traz boas lembranças, doces e boas lembranças. Enfim, de volta à história. Não é o que parece, de modo algum.

O que aconteceu foi bem ao contrário. Nada de alegrias repentinas, declamações de amor eterno ou o famoso “e viveram felizes para sempre”. O que se seguiu a esse temeroso inverno, foi algo muito mais árduo e difícil do que o frio e a ausência de sentimentos. O que encontrei foi a Vida. A mistura perfeita de todos os sentimentos, o palco para a realização de todos os sonhos, a oficina para o aperfeiçoamento de todos as artes, o campo de batalha que ceifa alegrias, cria tristezas, e causa a evolução. O que até então era o Bem contra seu eterno adversário, o Mal. Tudo isso, sem deixar nenhum sentimento de lado, foi encontrado ao fim do inverno.

A primavera deixou de ser um ponto branco distante, aproximou-se, tomou forma e foi além, pois chegou carregada de frutos, que por sua vez alimentaram uma alma abandonada e geraram sementes que levaram a vida a um coração de gelo. Atormentado por eras de martírio, culpa, raiva e de auto-confiança.
Ah, como me lembro desse sentimento. Sabia da força da primavera, sabia que era ela quem trazia a vida de volta ao mundo, que alegrava os apaixonados, levantava o espírito da Terra, e mostrava a todos que o pior havia passado. A vida estava de volta. No meu caso, foi mais especial, pois a minha Vida estava de volta. E agora, aparentemente, tinha uma razão para seguir em frente, algo no que acreditar. E algo pelo qual valesse a pena lutar até o fim.

Assim foi a chegada da primavera. Com seu clima agradável, com suas belas flores, seu aroma inconfundível, e sua paisagem inesquecível. Talvez por isso todos aguardem-na ansiosos no exato momento em que ela deixa nossas vidas. Tal sensação provoca sorrisos mesmo quando se está nos lugares mais inóspitos, nos momentos mais temerosos, nas situações mais complicadas. A mera lembrança da Primavera é suficiente para gerar alegria naqueles que souberam aprecía-la.

Mas, como disse há pouco, nem só de flores é feita a primavera. Logo, a luta começou. Afinal de contas, os sentimentos ainda estava escondidos, o coração ainda era gelo puro – apesar de uma pequenina chama ter se ascendido em seu interior -, a dor ainda era recente, e muito forte. Com a Primavera, tive ânimo para encarar as dificuldades e para evitar que tudo aquilo voltasse. Afinal, ela estava comigo e nada poderia acontecer.

Para variar, errei novamente. O simples fato de algo existir num momento não garante a existência do momento seguinte, ou seja, se tem algo agora você deve lutar para que – seja lá o que for – continue existindo. Nesse instante, uma nova e importante lição foi forjada à base de dor nesse simples aprendiz. Sim, nesse momento, o todo poderoso ego foi forçado a tornar-se um garoto novamente, ele teria que aprender a viver novamente. E, dessa vez, da forma correta. Mas para ele parecia tudo bem, já que a Primavera estava a seu lado e tudo era bom e belo.

E foi, até o momento que ela – assim como todas as emoções, relações, sentimentos, decisões, pessoas e idéias – partiu. Mesmo com toda sua beleza, nem ela é capaz de ser eterna e permanente. Ela se foi. Eu fiquei. E não entendi nada. Tudo parecia ter desabado como um castelo de cartas. Tão belo, tão frágil. E assim foi.

Com a partida da Primavera, mudanças começaram a acontecer e a perspectiva de um novo inverno não era das mais agradáveis e desejáveis. Mas, entre as lições aprendidas, é que assim como ela, bela e alegre, ele também retorna com sua força, frio, e solidão. Nesse ponto, a luta tornou-se mais insessante, pois, agora, o jovem aprendiz deveria estar preparado para resistir às provações do inverno e, mais uma vez, receber a primavera. Porém, ainda havia muito tempo antes disso acontecer.

Enfim, a história é longa. Travei muitas batalhas, chorei muito, sofri muito e continuei lutando, por que após cada vitória – e até mesmo derrota – lembrar de sua face, recordar suas palavras, sentir sua brisa em meu rosto, e até mesmo a delicadeza de seu toque era o suficiente para causar mais motivação e enobrecer a causa. Mesmo a mais fútil, a princípio. Já que toda causa tem seu valor e deve ser respeitada. O mais importante disso tudo foi o fato de poder contar com suas palavras de apoio, com sua eterna presença de espírito e o simples fala dela estar a meu lado, fisicamente ou não.

Posso ter passado a impressão de que tudo isso aconteceu durante muito tempo. Bem, algumas das batalhas sim, mas a maioria delas foram travadas diariamente. A cada vez que deixava meu leito e começava a pensar nas tarefas do dia, os sentimentos iniciavam seus constantes embates e iam se adaptando de acordo com os estimulos diários. Forças externas me pressionam, pressionam tão fundo que até minhas lembranças sobre a primavera são postas a prova e tudo que sinto em relação a ela pode ir por terra se não for firme em minhas convicções e ações. E isso, meu caro leitor, acontece dia após dia, incessantemente, e assim será até o fim.

Porém, não é algo que deva ser motivo para lamúrio. Afinal de contas, isso é o que chamamos Vida e, rapidamente, pode ser compreendida como algo a ser conquistado todo o dia, reconquistado no dia seguinte, cheia de lições, mensagens, momentos bons e ruins que devem ser compartilhados e, literalmente, vividos.

Hoje, depois de inúmeras vitórias, incontáveis derrotas, e infinitas batalhas travadas, posso dizer que aprendi muito. Sou um homem maduro, capaz de entender os outros e ajudá-los e, o mais importante, de entender a mim mesmo e a me transformar para melhor. O importante, porém, é que tudo isso só foi possível pq no fim de um inverno não tão distante, vislumbrei a chegada da Primavera. E ela quis fazer parte da minha vida. Sem eu saber, aliás a gente nunca sabe até que acontece, minha vida tomou um novo rumo nessa hora. Não tenho palavras e nem tempo para dissertar sobre todas as experiências, sentimentos, alegrias e tristezas pelas quais passei. Mas posso resumir tudo isso em algumas palavras: companheirismo, amizade, alegria, compreensão, apoio…. e muito amor.

Qual o objetivo de tudo isso? Bem, se é que existe um objetivo, creio que seja para mostrar que devemos estar prontos para receber nossas Primaveras pessoais e evoluir da melhor maneira possível a seu lado. O que vc vai fazer com ela é outra história e é uma decisão completamente pessoal. Só tenha a certeza de que realmente a merece e vice-versa. As pessoas e a natureza não se relacionam bem se um dos lados não é capaz de aceitar, compreender e lutar pelo outro.

Tudo isso começou com o desejo de expressar o que eu sinto, o que senti e muitas coisas que quero continuar sentindo. O texto saiu com pura inspiração, mas acho que falta só uma coisinha. A Primavera pode ser muitas coisas: a estação que traz a vida, algum acontecimento que mude uma pessoa, uma mudança que transforme várias pessoas, e, principalmente, uma pessoa que mude outra pessoa.

A minha Primavera tem nome: Luiza.

Te Amo!

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