Botão, botão, quem encontrou o botão?
No alto de uma árvore, duas fadinhas gêmeas que lá moravam enfrentavam algo novo em suas vidas. As belas folhas verde limão e os pássaros que, diariamente, iam saudá-las não importavam. Seus afazeres diários como fadas dedicadas que sempre foram – fiscalizar o bosque, ajudar os passarinhos feridos, acordar as últimas flores dorminhocas para que se abrissem, e etc. – também ficaram de lado. 
Elas estavam brigando.
E, pela primeira vez em milênios, elas não pensavam no bem-estar uma da outra, mas sim, num novo e misterioso objeto que elas encontraram. Não parecia mágico, mas era intrigante. 
Para elas era algo grande e bem sólido. Era redondo e, dentro dele, haviam 4 buracos simétricos que, embora elas não soubessem para que servia, naquele momento, eram os pontos em que suas pequenas mãos se encaixavam em meio à disputa pelo curioso objeto. A briga havia começado pela manhã, quando Li, a fadinha dourada retornou de seu passeio matinal. Com dificuldade, ela carregava o achado e queria mostrar para a irmã, a fadinha celeste Ti. 
Ao acordar de seu doce sono, Ti deparou-se com a novidade e, sem pensar muito, tomou-o para si. Li não entendeu nada e a luta pelo achado começou. No começo foi um empurra-empurra para ver quem ficava mais perto da coisa, mas aí elas acharam os buracos e o cabo-de-guerra miniatura ganhou forma.
Mal sabiam elas que o maravilhoso objeto capaz de encerrar séculos de paz e harmonia era nada mais que um botão, um simples botão que caiu da fatiota do velho Mork, um ermitão que passeava pelo bosque encantado - sem saber que ele era encantado, diga-se de passagem - no dia anterior.
Ti e Li sempre tiveram tudo em dobro, por puro capricho da natureza. Por serem irmãs gêmeas – diferentes apenas por sua cor – elas moravam numa árvore com dois quartos idênticos, formados por folhas e galhos antigos, flores novas, e com janelinhas delicadamente criadas para fazer com que o brilho do Sol atingisse suas camas nos primeiros minutos da manhã.
Elas sempre encontravam número suficiente de frutas para as duas, no café da manhã; flores belas a serem colhidas, sempre em duplas; tarefas diárias dobradas; enfim, tudo em dose dupla para que elas dividissem tudo alegremente e sem reclamar. Mas o botão, bem, o botão era um só e não foi colocado ali pelo grandioso plano da natureza para garantir a felicidade das fadinhas guardiãs do bosque encantado.
É bom dizer que o botão não era nada malévolo ou parte de algum grande plano das criaturas sombrias. Era apenas um botão, como qualquer outro botão.
As fadinhas viviam no topo da árvore e ele era bem alto, já que o lar das guardiãs era uma espécie de torre de vigia do bosque e, mesmo que alguém lá embaixo olhasse para cima, distante dos olhos curiosos, especialmente dos humanos. Por isso, ninguém viu que havia agitação entre as pequenas fadas. Nem mesmo as criaturas encantadas, que ainda dormiam, já que seus dois despertadores estavam, hum, entretidos com outros assuntos.
E a briga continuava.
Elas não falavam muito, no máximo, ouvia-se uma série intercalada de “É meu”, “Não! É meu!”. E os puxões para lá e para cá pareciam não ter fim. Um pequeno detalhe, porém: a cada solavanco que uma delas levava fazia com que seus pequenos corpos liberassem uma grande quantidade de pó-de-fada (algo importante para a magia da fada, aliás, muito importante). O pó de Li era dourado e bem fininho, enquanto o de Ti era azul celeste e um pouco mais denso. Um verdadeiro espetáculo de cores formava-se dentro da casa das fadinhas. E, como disse, ninguém viu. Nem mesmo elas davam muita atenção a isso.
Ti parecia um pouco mais forte e era Li quem parecia não agüentar sequer o peso do botão, mas, quando a luta parecia aproximar-se de seu final, ambas renovavam suas forças e tudo recomeçava. Bem, é muito fácil para quem é imortal e descobre a existência de algo tão intrigante assim. Afinal de contas, pensou Li, para que serve isso? Deve ser de algum bruxo! Vou aprender alguma magia nova!
Ti, por sua vez, queria o objeto por tê-lo achado bonito e ser a mais velha. Eu tenho direitos e sou mais forte, imaginava ela. Tudo bem que ninguém sabia quem nasceu primeiro e muitos animais e árvores antigos jurassem que elas acordaram ao mesmo tempo, como a mesma fada dividida em duas. Aliás, fadas gêmeas são extremamente raras e, excêntricas. Elas até que resistiram bastante.
Com cada tranco que elas levavam, o pó-de-fada caia e ia tomando conta do chão da casa. Logo, uma leve brisa entrou pelas janelas e começou a levar o pó embora, inclusive os pequenos pontos brilhantes que nem chegavam a cair no chão e logo voavam para longe. Era lindo, mas elas mesmas conseguiram ver. O primeiro a notar foi um pequeno esquilo que, num galho distante, foi atraído pela amalgama de cores e por uma nova cor, nascida da mistura do dourado com o azul celeste.
Qual era? Bem, ela havia acabado de nascer e ainda era nova demais para ter um nome, pelo menos foi o que o esquilo pensou. Ele olhou por um bom tempo e, depois de guardar em sua vasta memória, continuou a empurrar sua bolota em direção a sua pequena toca.
No caminho para casa, ele contou a alguns outros seres das árvores e, logo, pássaros, esquilos, formigas vermelhas de barriga verde, mosquitos-camelões e mais um monte de gente estavam falando a respeito da nova cor e de sua beleza.
Lá dentro, as Ti e Li continuavam sua disputa.
Quando um certo número de seres encantados já estava perto da casa de Ti e Li, a nuvem formada pelo pó-de-fada era tão grande, que era possível ver mesmo à distância. Alguns dos espectadores sabiam que ali se reunia grande poder e muita magia, algo visto com pouca freqüência.
Uma fada que morava ali perto foi convocada pelo Senhor dos Rouxinóis e, assim que possível, seguiu em rumo à aglomeração. Seu nome era Ni, uma prima distante das duas encrenqueiras, mas elas não se viam há muito tempo.
Na copa das árvores, perto da casa de Ti e Li, havia uma grande reunião, mas, lá embaixo, tudo era calmo e pacato. As criaturas não-encantadas e até um homem passeavam pelo bosque, aproveitando a bela manhã de primavera e seu clima agradável. O homem, inclusive, resolveu descansar um pouco, depois da longa noite de caminhada, encostou-se na árvore onde moravam Ti e Li e tirou uma soneca.
Conforme a confusão continuava, quem estava assistindo notou com a nuvem de pó-de-fada agora tomava a forma de uma grande fada que hora parecia Ti, hora parecia Li. Ela parecia dançar no céu azul e entre as folhas brilhantes e verdes. Ela apareceu como um bebê e, pouco a pouco, foi assimilando mais e mais pó e, logo, tinha o tamanho de uma criança humana, mas ainda com seu formato de fada. Suas belas asas, seu cabelo sedoso e suas orelhinhas pontudas.
Era um espetáculo e tanto. Ninguém se atrevia a chegar perto da casa das fadas, da nuvem dançarina e, muito menos, chamar as duas para saber o que estava acontecendo. Eles limitavam-se a olhar e a admirar espetáculo tão lindo.
A fada brilhante continuava dançando e cativando a todos. Muitos juram até hoje que ouviam uma leve música emanar daquele ser maravilhoso. E boa parte desse pessoal não acredita que tudo isso aconteceu por causa de uma briga boba, alguns sequer acreditam na existência do botão do velho Mork, que ainda andou por ali uns bons anos.
Finalmente, Ni chegou e foi direto à porta de entrada da casa das primas. Ela era pequenina como Ti e Li, mas sua cor era esverdeada. Ela confundia-se com a coloração das folhas ao redor da casinha e, às vezes, parecia um pequenino inseto caminhando sobre duas perninhas.
Ela bateu uma vez e, como não ouve resposta, resolveu entrar. A pequena porta não tinha fechadura, já que fadas não se preocupam com gatunos e ninguém com uma mente tão vil alcançaria suas casas. Ni entrou e, logo em seguida, viu as primas atracadas ao objeto misterioso e não entendeu nada.
Ela chamou pelas duas, mas sem sucesso. Elas estavam envoltas em sua própria magia e o show de luzes dentro da pequena casa era muito mais impressionante do que do lado de fora.
Enquanto isso, nas árvores, a fada brilhante parou de dançar e, para espanto de todos os presentes, fez uma cara de preocupação. Ninguém sabia o que havia acontecido e, logo, começaram a culpar a fada Ni pela interrupção do espetáculo.
Dentro de casa, Ni notou que o único meio de impedir que tudo aquilo continuasse seria interromper a briga. Mas como? Aí ela entendeu que aquela coisa redonda era a chave de todo o problema.
Em meio às brumas brilhantes e mágicas, Ni voou em direção às duas irmãs, que oscilavam para cima e para baixo na luta pelo botão. A velocidade da fada esverdeada foi tão grande que ela acertou o botão em cheio. Ti e Li caíram uma para cada lado e viram o botão ser arremessado pela janela mais alta de sua casa. 
Os espectadores do show da fada brilhante notaram um pequeno objeto marrom sair da casinha e ir em direção ao espetáculo de luzes. Como todos olhavam para o botão, ninguém percebeu que a fada brilhante se desfez e se transformou numa cachoeira de luz e magia, que começou a descer como se um grande rio lá estivesse. Todo o pó-de-fada seguiu o mesmo caminho e encontrou seu descanso dentro de uma flor copo-de-leite alguns metros abaixo de onde tudo havia acontecido.
Para lá também foi o botão, que caiu no mesmo lugar e fez com que três gotas caíssem do copo-de-leite.
Ti e Li, mais tarde, perceberam que haviam ficado fracas e arrependidas pela briga. Mas nenhuma delas ficou feliz com o fato de Ni ter perdido aquele artefato curioso e motivador de tudo. Acima de tudo, elas queriam saber o que aquilo fazia, mas não seria desta vez. O show havia terminado, o bosque encantado voltara ao seu normal e, acima de tudo, o poder das fadas mostrou sua força, mesmo sem o consentimento de suas donas.
O que restou foi um copo-de-leite cheio de vida e com um botão que lá no fundo deitou enquanto uma das gotas que ele causou mudaria o mundo.
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