quinta-feira, janeiro 22, 2004

Noite Solitária

Como sempre, Beregond percorreu seu trajeto até a colina encantada para contemplar as estrelas da noite e a calmaria provocada pela brisa sempre presente. Tudo que estava ao seu redor sempre foi responsável por uma bela melodia, que mudava a cada dia, mas, na maioria das vezes, trazia paz e tranqüilidade. Naquela noite, porém, a colina estava solitária. E silenciosa.

A sensação de solidão já o acompanhava desde que saiu galopando de sua casa. Até mesmo Dreamer, seu robusto garanhão, estava quieto e relinchava muito menos do que o normal, mas este detalhe passou despercebido até que o bardo chegou à colina.

A música não havia partido, ele sabia disso, mas havia se calado um pouco. Ele nunca soube ao certo se a melodia era real ou se, de alguma forma, as centenas de histórias que ele contava sobre feitos românticos do passado haviam materializado tais canções. Também podia ser a magia da colina, mas, naquela noite, até mesmo deste poder Beregond duvidou.

Sentado e só, ele olhou, mais uma vez, para o negrume do céu e buscou inspiração para compor uma nova canção, para que de sua autoria surgisse algo capaz de eliminar aquela sensação de vazio e perda. A inspiração não veio em palavras. Nem sons. Nem pensamentos.

Uma única lágrima escorreu e consigo pareceu carregar anos de pesar e sonhos partidos. Escorrendo dum rosto obscuro, a pequena gota descia sem ser afetada pelo vento gelado e por onde passava renovava a vida no rosto do triste bardo. Ele esperou e torceu para que seu sorriso vencesse a batalha, como sempre acontecia, mas, desta vez, a música não retornou e não foi capaz de recobrar seu sorriso. Austero ele continuou sob o véu de estrelas, na colina encantada.

De certa forma, as estrelas eram as mesmas, as árvores continuavam no lugar e a colina, bem, era a mesma colina. Tudo continuava como sempre havia sido, mas algo mudou. E foi Beregond. Ninguém, a não ser o tempo e o destino, sabe quais as estrelas serão escolhidas, quais caminhos serão trilhados, nem como tudo vai acontecer. Tudo simplesmente acontece. Vários caminhos não existem, apenas um, aquele que trilhamos. E Beregond sabia disso, pois tudo estava diante de seus olhos.

Um caminho árduo e glorioso, mas ainda em seus primeiros passos. Sempre os mais difíceis. Suas grandes batalhas haviam chegado ao fim, e agora restava a ele contar o que havia vivido e fazer sua parte para garantir que erros do passado não voltassem a assolar aqueles que ama. O futuro parecia triste: um tempo de nostalgia e orgulho dos atos grandiosos de outrora, justamente por ninguém mais encontrar tarefas dignas de serem lembradas. As batalhas não mais existirão. As histórias vão ser chamadas de mitos. E os mitos serão lembrados como lendas, antes de serem esquecidos por uma sociedade saudosista sem saber ao certo o motivo.

Mas tudo isso era incerto e os passos precisavam ser dados. E ele se sentiu só, mesmo sem estar. Era um sentimento muito estranho e inquietante, já que não deveria existir. Nem mesmo a colina encantada era capaz de desfazer tudo aquilo e ele só esperava pelo retorno da melodia, que mantinha seu espírito determinado e corajoso. Arriscou algumas palavras, mas nenhuma fazia sentido. Imaginou uma melodia, que logo feneceu e desapareceu. Nada parecia ser produtivo naquela noite.

Então, ele se deitou e entregou seus pensamentos ao gosto da Lua e das estrelas. Olhou para a brilhante Elemmírë, sob a qual foi batizado e que sempre o guiava nas horas de necessidade. Pensou no que se passava no infinito espaço, e seus pensamentos sempre retornavam para dentro de si. Para suas palavras antigas, sentimentos sempre presentes, e temores prestes a ganharem forma. Uma amalgama de idéias, sentimentos e emoções, num ininterrupto looping. Enquanto o circo de estrelas girava ao seu redor Beregond mal conseguia distinguir se tudo havia acabado ou se estava apenas no início.

Apenas uma certeza: tudo era muito triste. Sentir-se sozinho é pior do que a idéia de tombar em batalha e encontrar as respostas finais. Suas mãos pareciam inaptas na criação, como se a awen o tivesse abandonado. Ou vice-versa. Ele havia mudado, mas não sabia o quanto. E temia por isso, mesmo sem saber por que.

Fechou os olhos e mergulhou no devaneio de verdes pastos, Sol quente e a sensação confortante de não estar mais só. Uma sensação sem rosto, sem nome e sem limites, algo que sempre esteve presente, de alguma forma, e ele não se preocupou em perguntar se apenas em devaneio ou se na vida real. Entregou-se ao leve cheiro de margaridas, correu em direção ao campo de tulipas e mergulhou apaixonado numa cascata de águas acolhedoras para, lá no fundo, deixar as brumas e, novamente, ouvir a melodia.

E que queda foi aquela....

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