Tudo tem um começo
*Para ser lido depois de "Botão, Botão, quem encontrou o Botão?"
Edward gostava muito de passear por aquele pequeno e aconchegante bosque perto de sua cidade e, nos dias em que não tinha aula, até arriscava uns breves cochilos. O arvoredo não era muito grande mesmo e a maioria das pessoas passava desapercebido pela estrada Leste. Não o jovem Edward, ele sempre teve um certo fascínio por aquele lugar desde pequeno, já que seus primos diziam quem não havia nada ali, ou então, o que era pior, que não havia nada de bom ali causando arrepios. De qualquer forma, em sua infância ele acreditava que aquele local não era muito normal e passava horas e horas imaginando o que, na verdade, havia por trás dos grandes carvalhos que formavam uma grandiosa parede natural e parecia dividir o mundo em duas partes.
Muito paciente, porém, Edward alimentou sua imaginação por vários anos até que, finalmente, estava grande o suficiente para ir brincar sozinho e não ter que ficar sempre ao lado de sua mãe, já que seu pai gastava mais tempo trabalhando do que qualquer outra coisa. Era uma manhã comum, com um pouco de névoa, folhas umedecidas pelo orvalho e aquele ar preguiçoso típico dos domingos. Só que não era domingo e a vida, em alguns pontos da cidade, já ia a todo vapor, afinal de contas, quase todo mundo precisa trabalhar. Como eu disse, quase todo mundo. 
Edward acordou lá pelas 9 horas, fez um rápido desjejum, roubou uma torrada e saiu em disparada porta a fora. Quase tropeçando no cadarço desamarrado e com uma alça do suspensório ainda caído, ele sabia muito bem onde queria chegar: o bosque. A caminhada quase corrida, que mais parecia uma prova de obstáculos sendo disputada por um garoto que fugia do tinhoso em pessoa, levou cerca de 5 minutos e ele cruzou toda a pequena cidade de Horn. Em tempo, o nome da cidade é esse por causa de uma grande montanha com o bico quebrado que, no outono, faz uma sombra tem acolhedora. Tudo bem que ela cobre a cidade inteira, mas ninguém liga.
Então, finalmente, depois de tanta espera lá estava Edward. Literalmente se borrando de medo de cruzar o limiar entre sua imaginação e a realidade. Dois grandes e antigos carvalhos pareciam os guardas aterrorizantes do local, que emanava um certo brilho graças ao Sol matutino e causava um efeito curioso ao se misturar com o resto do nevoeiro daquela manhã. Mas ele não deu muita atenção ao visual, já que os “guardas” o amedrontavam.
Depois de um passo tímido aqui, uma olhadela acolá, parece que a coragem necessária havia nascido naquele pequeno homem, franzino, mas resoluto ao extremo – pelo menos era como ele fazia força para pensar na hora. Edward fechou os olhos, cerrou os punhos e deu três passos vagarosos em frente. Seus olhos abriram-se minimamente e, pela pequena fresta, ele ainda via os dois carvalhos. Fechou-os novamente. E dessa vez tremeu feito um bambu durante uma tempestade.
Mais três passos e quando ameaçou abrir os olhos novamente, um brilho intenso o atingiu e não havia mais vestígio das figuras apavorantes dos guardiões antigos. O que aconteceu ali? Ele nunca soube, mas a lembrança daquele momento perdurou para sempre. Depois do susto e do maravilhamento com a beleza do lugar, Edward, finalmente, viu o bosque. Belas árvores espalhavam-se por todo o lado e, no centro, uma clareira convidativa com uma coloração levemente verde graças à seu gramado macio e na altura certa, como se um cuidadoso jardineiro houvesse passado por ali há pouco.
O garoto tentou contar as árvores, mas desistiu, eram muitas. Ele sempre teve a impressão de que a muralha de carvalhos escondesse um pequeno labirinto escuro de árvores, raízes expostas e repleto de criaturas estranhas. Ele havia cruzado o espelho, e o outro lado não tinha nada a ver com tudo aquilo que lhe haviam contado ou mesmo que sua imaginação havia ponderado. Ele esperava encontrar aventuras e perigos, mas a resposta foi algo melhor, já que a sensação de calma e paz que a simples visão do bosque lhe causara superou qualquer expectativa. 
Aquele foi o primeiro de muitos encontros e, como todo jovem sonhador, Edward caiu de amores pelo bosque encantado. Alguns amigos o viram saindo pela Passagem dos Carvalhos e perguntaram o que havia lá dentro e ele, sabiamente, reforçou o mito das historias ameaçadoras, do lugar horrível e do pavor que ele sentiu. Seus olhos não escondiam sua experiência, mas garotos raramente prestam atenção em detalhes tão sutis. 
Os anos passaram e o jovem Edward, aos poucos, tornou-se um homem. E ele tinha um segredo: o que havia dentro do bosque. Ele contou tantas histórias horripilantes sobre sua aventura – e acabou ficando bom no ofício de Bardo – que era capaz de convencer homem feito ou rapazote com a mesma força. Com isso, ninguém nunca foi louco o suficiente para se arriscar pela Passagem dos Carvalhos. Ele soube de alguns bravos que tentaram, mas, no último segundo, fugiram feito raposas espantadas de volta a Horn. 
Era um segredo solitário, mas ele não ligava. Ele achava ótimo poder visitar a clareira, que parecia intocada mesmo com o passar dos anos, sentar-se na base de seu querido teixo e simplesmente deixar o tempo passar enquanto pensava em novas histórias, viajava em seus devaneios e ficava imaginando o que, realmente, acontecia naquele lugar mágico. Muitos animais viviam ali e pareciam desfrutar de grande harmonia, mesmo que não ficassem muito perto dele. Edward sempre via esquilos subindo e descendo pelas árvores, ouvia o canto de aves de rapina e outros pássaros nas copas das árvores e, pelo menos em duas ocasiões, jurava ter visto algo que se parecia muito com, bem, com fadas que ele vira em livros infantis. Mas como ele estava praticamente pegando no sono, não deu muito crédito.
Com o passar do tempo Edward descobriu que mais alguém freqüentava o bosque, mas que nunca passava por ali. Numa de suas tardes de reflexão, ele resolveu caminhar pelas árvores quando viu um vulto distante vindo do outro lado da floresta, da fronteira com a cidade vizinha de St. Giles. Curioso, Edward encostou-se numa árvore e aguardou o vulto tomar forma conforme se aproximava. Não mais que 10 metros fora do caminho do visitante, ele não foi notado enquanto o velho Mork continuava seu caminho. Ele era um ermitão meio conhecido por aquelas bandas. Ele sempre vestia um casaco escuro, com grandes botões na frente, e vários buracos, muito mais do que o número de botões, aliás. O velho Mork passou vagaroso, cruzou o último trecho da floresta, atravessou a clareira olhando para o alto e desapareceu atrás de uma grossa faia na extremidade Oeste do bosque. 
Depois desse dia, e de mais umas duas aparições do ermitão errante, o bosque encantado permaneceu silencioso, como sempre, e mantinha seu ar de santuário particular, como se esperasse pelas visitas diárias do Bardo que o descobrira. 
Já com seus vinte e poucos anos de idade, Edward, como de costume, fez mais uma visita ao bosque encantado e, cansado pelo trabalho do dia anterior e uma pequena discussão em seu, até então, harmonioso lar, resolveu dormir à sombra de sua árvore predileta. Aquele teixo, com sua força ancestral e casca resistente, sempre foi um ótimo apoio em vários momentos. Naquele dia em especial, Edward sentou-se no gramado, apoiou as costas na árvore e olhou para o alto. Assim que seus olhos se acostumaram com o forte brilho do Sol matutino, ele pode ver que a copa era uma das mais altas e que várias flores surgiam de trepadeiras que pareciam escalar o caule em direção infinito. A visão era bela e foi a última coisa que ele viu antes de dormir.
Diferentemente dos outros dias, naquela manhã, Edward sonhou com fadas, canções, sentimentos controversos, magia, sons estranhos e alegres. Uma verdadeira miríade de sensações e significados que pareciam desconexos, mas, de alguma forma, familiares. Ele não sabe, e talvez nunca saiba, quanto tempo dormiu, mas lembra-se muito bem de quando, e como, acordou. 
Uma sensação de calor extremo o tomou e algo parecia ter lhe tocado a testa. Algo morno e, por instantes, extremamente gelado se comparado ao resto de seu corpo febril. Mas, logo, tudo estava normal, pelo menos foi o que ele pensou.
Ao tocar sua testa, ele sentiu o que parecia ser a gota de um líquido consistente e desconhecido. Parecia uma liga estranha, com cores constantemente mutáveis, e capaz de transmitir sensações boas, mas, a princípio, apenas uma gota de algo que, provavelmente, caíra do topo da árvore. 
Naquela manhã, Edward levantou-se calmamente sem se dar conta que sua vida anterior e muito do que ele imaginava havia ficado adormecido na casca macia do teixo. Aquela pequena gota, como outro bardo havia contado certa vez, mudaria o mundo. E Edward seria o arauto dessa mudança, mas, para isso, ele precisaria mudar primeiro.
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