segunda-feira, dezembro 09, 2002

Inexplicável

O som das ondas distantes ecoa em minha mente como uma lembrança remota de outra vida. É claro que não é esse o caso, mas a analogia parece ser propícia. A vida é essa mesma, mas o som está aqui, presente, como uma leve melodia que vai e volta – assim como as ondas – e traz consigo sentimentos estranhos. Muitos deles não identifico, pois o turbilhão é forte. Um deles, porém, é muito forte: a angústia. Sempre ela.

Consigo identificá-la muito bem, já que somos velhos companheiros. Por muito tempo ela esteve presente em meus pensamentos. Diariamente. A cada hora. A cada segundo. Por vezes, mais presente que idéias como comer ou se mover. Sempre ela, a angústia. O choro a acompanhava, com uma dor profunda e incontida capaz de encontrar as lágrimas mais reclusas e levá-las à luz do mundo externo. Sem dó, nem clemência. Só a dor.
Depois de tanto tempo, pensava que, no mínimo, conhecia a mim mesmo. Ledo engano. Muitas convicções têm o péssimo hábito de cairem por terra com o mais ínfimo dos argumentos. É até cômico, ver aquele cara dono de si mesmo, cheio de ser o dono da verdade, ser transformado no bufão do dia quando um dos pilares de sua personalidade é destruído por uma observação perspicaz ou a consolidação de algum ato. Tudo isso, sem dúvida, prova que não existe nada certo, nem mesmo a morte, já que não sabemos quando e como ela vem.

Conhecer a si mesmo é algo mais que saber qual será sua reação a um determinado estímulo. É saber notar que as mudanças chegaram, e se adaptar a elas sem destruir tudo a seu redor. E, acredite, isso acontece. Resistir a uma mudança só causa problemas. Pode apostar.
Será que a angústia é resultado direto de uma mudança mal gerenciada? Pode ser. Mudanças estão acontecendo na minha vida. Muitas delas, mas é difícil entender todas elas e a adaptação leva um tempo. Enfim, seja lá o que for, a angústia voltou. E com ela, sua dor.

Tem uma coisa interessante (e boa??). As lágrimas vêm, com certeza, mas em momentos que garantem a privacidade delas próprias e de quem as produz, mostra ao mundo, e assimila seu sofrimento inerente. Resumindo, ninguém tem o gostinho amargo de vê-las escorrendo pelo rosto triste e introspectivo que olha para o vazio procurando uma resposta, ou ao menos um pouco de alívio, para a tudo o que acontece a seu redor.

O curioso é a maneira como isso acontece. A imagem de uma criança, o som de um pássaro, uma frase bonita no computador ou na TV, uma lembrança antiga ou mesmo recente. A simples ocorrência de algum trivial como esses exemplos é capaz de despertar um sentimento sem precedentes, que apresenta-se num turbilhão de emoções, lágrimas, raiva, vazios internos, lamúrios e decepções de uma vida vivida. E de uma que ainda será vivida.

Para algumas pessoas é difícil expressar um sentimento, principalmente um sentimento de dor. A dor está normalmente associada à derrota, ao pesar, ao fracasso. E, digo com certeza, é tolo quem pensa assim. A dor do parto nos traz a felicidade inicial, a vida. E esse é só um exemplo. Não creio que o fato de um pensamento levar à dor ele seja, necessariamente, sinônimo de perda e de lamento. Essa dor pode representar uma grande vitória, que teve um custo muito grande, mas não deixou de ser uma vitória. E se pararmos para pensar, toda vitória tem um custo, mesmo que baixo, mas tem. E o pagamento nem sempre é agradável ou feito de coração aberto.
Mas a troco de que escrevo todas essas palavras sobre sentimentos, dor, angústia?

Nessa vã tentativa de explicar a complexidade de alguns segundos de sofrimento foi possível fazer algumas descobertas. Não sei ao certo se pelo simples fato de abrir as barreiras invisíveis que delimitam minha alma e meu intelecto ou por ter tido a chance de analisar as possíveis reações destes mesmos estímulos em outras pessoas. A natureza humana é enorme, disso não há dúvida, mas nossos desejos e aspirações, na maioria dos casos, são ramificações específicas de poucos tópicos principais que todos buscamos, desde o início dos tempos. E estou pensando num deles.

Descobrir quem realmente sou. Fui. E serei no instante em que escrever o último ponto deste texto. Com certeza, alguém diferente do que fui na primeira letra e do que passei a ser em seu desenvolvimento. A evolução e a mudança são freqüentes, não podemos evitar, mas devemos aproveitar e viver.

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