Lições
A natureza humana tem suas particularidades, mas, todos nós, em algum momento, somos acometidos por algumas das generalidades inerentes aos de nossa raça. A capacidade de aprender é uma dessas coisas malucas que nos diferencia dos outros animais do planeta e cria a enganosa sensação de superioridade e de maior complexidade. Acreditar, ou não, nisso é problema de cada um. Só não podemos ignorar o fato de que temos essa capacidade – ora como dádiva, ora como maldição. Muita gente, porém, não percebe... principalmente a segunda opção.
Usando o famoso clichê “nunca deixamos de aprender”, atrevo-me a dizer que nem mesmo tão célebre frase corresponde à realidade, pois muitas pessoas acreditam piamente fazerem parte do seleto grupo dos que vive aprendendo, mas, na cruel verdade, passam, no máximo, toda a sua vida tentando aprender algo que está além de seu intelecto; desvendar um mistério que nunca será compreendido; assimilar lições feitas para outras pessoas; entender coisas de pouca, ou nenhuma, utilidade para suas vidas mesquinhas e cercadas de fama e glamour; e, porque não, ensinar algo que ainda nem aprenderam.
Não tento esconder um certo tom pessimista dessas palavras, mas também não vejo função alguma em continuar aceitando ideais incoerentes, certezas absolutas descritas por algum pensador ancestral e os itens de uma longa lista de checagem que diz se somos, ou não, aptos a fazer parte deste maravilhoso grupo denomidado Humanidade.
Em tempo, de maneira alguma (mas correndo muito risco de tê-lo feito e de continuar a fazê-lo) pretendo me colocar acima de todos, de suas convicções, crenças e de estilos de vida. Faço aqui uma, no mínimo, curiosa analise de um ponto bem relevante.
Pois bem, pregamos que sempre estamos a aprender e a assimilar informação. Mas como explicar o gigantesco número de casos em que pais cometem erros com os filhos, que por sua vez têm consciência do erro, mas, de um jeitinho todo novo, moderno e “original” cometem os mesmos erros com seus próprios filhos? Neste caso, portanto, aprendeu-se algo: como errar de maneira eficiente e produzir uma situação semelhante e com resultados assustadoramente parecidos cerca de 20 ou 30 anos depois.
Talvez toda essa dificuldade exista, pois a maneira como somos apresentados ao problema em questão é bem real. Você sofre e você crê ter encontrado a solução. Mas essa experiência não era o novo slogan da Coca-Cola, que veio embalado numa latinha vermelha com ursos, renas e o Bom Velhinho sorrindo para esconder a ulcera que ganhou bebendo tanto refrigerante há tanto tempo. A vida em si não para de acontecer, repete-se às vezes, mas sempre com um novo toque de genialidade como se algum maestro supremo dita-se o tom a ser seguido pela toda poderosa Humanidade. Ou mesmo a existência deste distinto grupo, de alguma forma, tenha feito necessária a existência desse sujeito em meio às demais forças presentes em nosso planeta.
O fato é, recebemos, sim, muita informação. Mas dela pouco aprendemos, pois sempre aparece um novo carregamento de informações fresquinhas, atraentes e, a priori, infinitamente mais importantes que a carga anterior. Aprender assim, realmente, não é tarefa das mais fáceis.
Então, caro autor, somos todos mulas apáticas em sua sacro-santa concepção?
Exatamente o contrário, digníssimo leitor eqüino. Aprendemos, mas não da maneira como estamos acostumados a ver, ouvir, entender e esperar. Vivemos em sociedade, logo, parte das informações passíveis de aprendizado são aquelas que nos levam a aprimorar esse relacionamento inter-pessoal e a garantir certas vitórias no meio – namorar, dinheiro, posses e, em alguns casos, um certo destaque.
Essa maravilhosa necessidade transforma-nos em criaturas sedentas por cada vez mais informação e possibilidades para derrotarmos nossos adversários – mostrando o quão inteligentes e capazes somos – e atingir os objetivos. Ótimo! Muito Bom! Sua esposa está assistindo TV na sala, seu carro importado ocupa uma de suas muitas vagas de garagem e as passagens para a próxima viagem estão guardados no cofre da casa. Mas, e agora?
Estou muito errado ao, definitivamente, considerar uma vida como essa algo sem propósito real e com grandes limitações? Não que isso não seja importante, afinal de contas, sem dinheiro e felicidade ninguém agüenta. O ponto em discussão é a total despreocupação com as reais necessidades pessoais em detrimento às regras estipuladas pela sociedade e seus círculos. Coisas do tipo: aqui o que conta é seu dinheiro, não suas idéias; seu carro importado/antigo garante sua entrada, se seu amigo não tem, desculpe-nos, ele não entra; bem-vindo ao grupo 100% cor-de-rosa, nenhuma outra cor pode entrar, não queremos a contaminação do seu verde-musgo.
Passamos boa parte de nossa existência lutando para reunir condições – sejam elas quais forem – para entrarmos em algum desses grupos (ah, entre eles há o grupo dos casados e felizes na frente de todos, e que saem na porrada toda noite pelas coisas mais idiotas do mundo, além das que realmente valem a pena. E ainda se acham felizes). Quando o objetivo é atingido o mundo torna-se uma coisa vazia, sem propósito, cercada por incertezas e pela necessidade de se encontrar algo, rapidamente, capaz de atrair sua atenção e seus esforços de pessoa “bem-sucedida”. Assim fica até fácil entender o grande número de divórcios, quebras de sociedades, fins de amizades e de gente que não agüenta o tranco e prefere arriscar a sorte no outro mundo. Ou então, de gente que passou por cima disso tudo, descobriu algo que nenhum de nós sabe e decidiu partir para uma outra.
Durante todo esse processo, pessoas vão e vêm, ajudam e prejudicam, acompanham e atrapalham. Elas fazem tudo isso, mas, no fim, sempre vão. De uma maneira ou de outra. Aqui cabe uma precisa citação a Anne Rice: “A mais difícil das lições aprendi sozinho. Abandonado e sem ter a quem recorrer, aprendi que, na verdade, sempre estamos sozinhos..”
Nossas decisões são tomadas dentro de nós mesmos, algumas delas acontecem antes mesmo de procurarmos a resposta. Nossos segredos estão muito bem guardados conosco e, feliz ou infelizmente, não existe nada real que conecte um ser humano ao outro a ponto de fazer com que um deles saiba perfeitamente o que se passa na mente do outro, e vice-versa. Por mais que opiniões façam efeito, sugestões sejam aceitas ou rejeitadas, e diversos outros fatores externos, quem decide é cada um de nós, baseado em impressões e motivos que, por muitas vezes, são inexplicáveis. Até mesmo para a pessoa.
Essa idéia vai de encontro com a necessidade coletiva. O anseio pelo sucesso social e financeiro é tão grande que, na maioria dos casos, as verdadeiras demandas pessoas são esquecidas e isso acarreta um desequilibrio grotesco, sem dizer enorme. Fica complicado entender como pessoas assim conseguem atenção de muita gente se nem mesmo sabem o que querem e o que as faz feliz. Nesse balaio de gato coloco todos os que trabalham com o que não gostam, portam-se como não querem, fazem o que não querem, mas no fim do mês têm um ótimo soldo, uma família bonitinha e feliz, mas que não vai sobreviver ao primeiro ano de crises econômicas causado por causa de qualquer porcaria que algum xiita louco faça e provoque o aumento do preço do petróleo e da ração para baratas na Nova Guiné.
Não que o mundo precise virar uma comunidade agrícola Zen. Além de ser impossível, a idéia parece meio ridícula e hilária, não? Mas as pessoas vão ter, pela maneira mais difícil, que aprender a se conhecer melhor e a entender que a sociedade vai melhor praticamente automaticamente a partir disso. Infelizmente, isso é um pouco de utopia da minha mente. Ir contra o capitalismo é uma loucura sem fundamento hoje em dia, mas as pessoas que fazem esse capitalismo estão no caminho errado. Não aprendem mais nada, por outro lado, esquecem-se das coisas com facilidade se elas não estão arquivadas num arquivo em seus laptops de última geração ou se uma secretária eficiente não os lembra. Os pais de nossos pais sabiam muita coisa. Nossos pais esqueceram parte delas. Nós estamos apagando o que restou.
Alguém vai ter que parar a reescrever e memorizar tudo. Ou tudo que conhecemos vai cair no esquecimento. O mundo vai mudar mesmo, mais do que já mudou. Temos que nos adaptar a ele e fazer algo para evitar que a única lição que sejamos capazes de aprender seja a de que estamos sozinhos, com nossos pensamentos, espíritos, fantasmas, deuses, deusas, crenças, ideais, planos...
Mas algo me diz que há um jeito de mudar isso... sempre há um jeito.
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