Do alto da Colina
... Beregond podia ver toda a sua vila. Era uma vista linda e inigualável, graças a suas particularidades, traços, pessoas, cheiros, sentidos, tudo. Foi naquele lugar que ele cresceu e, mesmo com suas constantes visitas ao bosque encantado, era a terra que chamava de sua. Por muito tempo ele vagou pelas florestas, campos e montanhas da região – sempre em busca de suas respostas e soluções – e lá ficou como se aguardasse a hora certa de tomar uma nova estrada. 
Ficou maravilhado com lugares e pessoas belíssimas que conheceu, orgulhou-se das escolhas que tomou e ficou feliz por sua coragem nunca ter lhe faltado nos momentos de maior perigo. Ah sim, a coragem, sentimento tão comum aos heróis e tão necessário mesmo ao mais simples dos lavradores. Muitas vezes ela não gosta de ser encontrada, noutras, perde-se nas brumas por conta própria e de lá só retorna quando bem entende. Beregond, porém, tinha de sobra e com ela enfrentou suas provações.
Certa vez, um sábio lhe disse que a cada novo passo, a cada olhar para uma nova direção, cria-se uma nova vida e, mesmo se você decidisse voltar e seguir um caminho anterior, esta vida não mais seria como poderia ter sido da primeira vez. Assim como as pás do antigo moinho da colina velha, os destinos não param de se mover e mesmo a mais simples das escolhas pode levar o mais bravo dos guerreiros a lugares que ele nunca havia imaginado, ou até mesmo a conhecer a si próprio de maneiras até então improváveis.
Lembrando-se disso, Beregond chegou à conclusão de que o período de contemplação havia acabado e, depois de olhar para muitos lados e muitos momentos, era chegada a hora de dar o primeiro passo. Como tantas outras vezes, outras aventuras e batalhas, o primeiro passo tem aquele poder de ser o maior e mais definitivo de todos, além de o mais difícil. Parar uma pedra que começa a rolar é fácil, porém, colocar-se à frente e parar um grande trem em alta velocidade é tarefa praticamente impossível.
Uma vez mais, então, olhou para a vila, voltou-se para o caminho que havia escolhido, levantou-se e partiu.
Beregond seguiu ao encontro de suas palavras há muito esquecidas, de seu dom adormecido e, com isso, reavivou a chama da paixão pela vida. Ele nunca soube ao certo o quanto cada um de seus amigos e sábios conselheiros colaboraram na escolha, mas, sempre carregou consigo a certeza de que aquele grande passo só foi dado por causa de tudo que lhe haviam dito e ensinado, por tudo que ele havia aprendido, e, acima de tudo, por tudo que ele havia vivido, devaneado, delineado, sequer imaginado. Até mesmo o menor dos delírios sonhadores foi causador de tal mudança, ou amadurecimento, como alguns haviam dito.
Os sonhos voltaram a brilhar, a voz renasceu e, como num passe de mágica, a magia ancestral despertou dentro de Beregond. O bosque encantado não mais merecia esse nome, já que brilhava com tal intensidade e era tão belo que encanto era o mínimo que podia exercer sobre aqueles que por lá se aventurassem. O que Beregond não sabia era que ele mesmo brilhava até mais que o velho bosque, e que, ao contrário das árvores e animais lá encontrados, suas andanças eram capazes de espalhar toda aquela luz e conhecimento por lugares inimagináveis, a pessoas imersas na sombra e levar alegria a tantas florestas e bosques esquecidos pela curta memória do homem.
Assim cresceu e amadureceu Beregond, o Bardo, dono de belas palavras, ostentando um coração alegre em seu peito, um arco nas costas, sempre com uma história à mão, com o futuro e a vida como únicas responsabilidades.
* * *
Vividas ou imaginadas, frustradas ou esquecidas, desejadas ou simplesmente frutos do acaso, que vidas lindas foram elas.
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