O Sonho e o Castelo
De toda a confusão na qual encontra-se minha mente posso tirar algumas imagens nebulosas, lugares que tenho certeza não conhecer, e pessoas, muitas pessoas, algumas conhecidas, outras amedrontadoras. O que deveria ter sido uma viagem de trabalho, tornou-se sonho, ganhou acordes de pesadelo e terminou numa incrível seqüência de repetições infinitas na ânsia por escapar do que me perseguia. Mas minha cabeça dói e as lembranças chegam aos poucos envoltas nas brumas do tempo-espaço. Não tenho certeza de que as vivi, mas as sensações de medo e pavor retornam cada vez mais fortes para tirar minhas dúvidas. Porém, ainda não tenho certeza. De nada. 
A primeira memória é de uma voz conhecida. Era Larissa. Falávamos de trabalho, de idéias, do que faríamos na viagem. Embora me lembre de seu rosto, de seu jeito delicado e do assunto, tenho a impressão de nunca ter ouvido sua mensagem claramente. Qualquer tentativa de recuperar esta informação me leva imediatamente ao lugar que menos quero estar, mesmo que tenha sido só um sonho. 
Uma torre alta. Num castelo sem fim. Com muitas sombras, de lugares e pessoas, e um ar constantemente carregado e nublado pelo esquecimento. Por várias vezes, fui guiado pelos largos corredores – que me remeteram ao tamanho dos afluentes do Grande Rio – até um ponto no qual não poderia mais avançar. Era um portão, de onde era possível apenas enxergar uma pequena casa com uma janela acesa, no alto da colina que ficava acima do castelo. E nada mais. 
O caminho de volta era tortuoso, sempre solitário. Embora Luiza estivesse apenas há alguns passos de distância, era como se estivéssemos separados por Eras da história. Nada dizia, pois, no fundo, sabia que ela não me escutaria e meus gritos desesperados por ajuda de nada adiantariam. O pânico e a aflição cresciam constantemente até o ponto que, de súbito, deixava o castelo e me via em frente a um edifício de altura incalculável, no centro de uma cidade decrépita no interior do Brasil – também envolta em uma espessa névoa e povoada por sombras em constante movimento. Era meu local de repouso. É claro, se fosse capaz de encontrar o quarto correto.
Esperei em frente ao prédio por alguns segundos, ou vários séculos, e vi muitos ônibus – aparentemente lotados – pararem e abrirem suas portas. Nunca vi ninguém desembarcar depois de mim. Apenas sentia uma brisa, como se alguém houvesse acabado de passar, mas nunca havia ninguém.
Algo deixou o clima de fora tenso e estranho. Achei melhor entrar e descobrir que os elevadores haviam desaparecido há muito. A placa dizia que todos as usavam para subir. “A escada é curta se você sabe o caminho”, alguém me disse. Quando virei para, finalmente, conversar depois de tanto tempo, nada havia além do balcão.
Nada mais me restava, a não ser seguir pela escada mais próxima. A da direita. Havia uma na esquerda e outra grande no centro. Todas lá, plantadas como alicerces da existência deste mundo enevoado e incerto.
Comecei minha subida e a frase não parava em minha mente, não havia descanso, e os degraus eram infinitos. Num dos primeiros andares encontrei um grupo de bruxas em meio a uma discussão sobre o fogo sagrado, que queimava no centro do grupo. ShadowFire era a líder e seus cabelos cor de fogo balançavam ao sabor da brisa que elas também pareciam sentir. Ela nunca falou comigo, mas sabia que esse era seu nome. Apenas olhar para ela me dava seu nome e sua origem. Ela vinha do Sul. Mas havia vivido entre o meu povo, em algum momento do qual não me lembrava.
Uma vez mais, ninguém me viu. Fiquei ali, aproveitando a companhia passiva por algum tempo, que não sou capaz de determinar precisamente e também não vem ao caso, mas foi movido a deixar o grupo quando algumas das bruxas perderam sua beleza e começarem a desaparecer em meio à névoa. Senti que mesmo ShadowFire começava a seguir suas amigas. Virei-me e segui em frente. Mesmo sem olhar, soube que o fogo sagrado era nada mais que uma simples lembrança num passado remoto.
Mais acima, parecia seguir alguém. Uma mulher. ShadowFire, pensei. Mas era uma ilusão.  Descobri que, na verdade, era Luiza quem me seguia. Sem notar minha presença, é claro. Instantes mais tarde, estava sozinho novamente.
Encontrei um velho encapuzado, cuja face temia descobrir e tremia só de imaginar. Mesmo com seu capuz abaixado, ele me encarava e fez um leve movimento com a cabeça para que eu olhasse para trás. Quando o fiz, quase fui ao chão por causa de uma forte lufada de vento. Levou muito tempo para ficar totalmente ereto novamente. Voltei meu olhar para o velho, e ele não estava mais lá. Ele havia me desapontado no passado. Fez algo nas minhas costas. E fiquei triste. Era só o que sabia dele.
Subi muitos e muitos degraus. E mais ninguém apareceu. Por outras duas vezes, vi Luiza pelas costas. Ela caminhava, sempre no mesmo lugar, sozinha e sempre em frente. E, logo depois, desaparecia nas sombras.
Depois de muito andar, para meu desespero, estava, novamente, de fronte à alta torre do castelo sem fim. Ouvia a voz de Larissa, encontrava meu guia obtuso e seguia para os grandes corredores...
Ciclos depois, a névoa tomou conta de mim. O telefone tocou. E as imagens se desfizeram. O telefone tocou novamente. Acordei.
Voltei a dormir e voltei um pouco mais. Talvez à origem, pois, antes de tudo isso, uma nova memória surgiu. Havia uma voz élfica no princípio de tudo. Num belo parque, imaginei a dona de tão doce voz, fiquei anestesiado, apaixonado, maravilhado. Minha felicidade era extrema. O paraíso em vida. E, então, o parque desapareceu. E vi a torre.
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é totalmente maluco, eu sei.
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