quinta-feira, outubro 14, 2004

Porquê lutamos

Capítulo 1: Invasão


“Ele era amigo do Peregrino
e seu lugar era com as estrelas...
pela eternidade”

Antigo ditado dos colonos.

Olhar para as infinitas estrelas no espaço sideral foi motivo de mistério para a Humanidade por incontáveis anos. Muitos encontravam explicações improváveis, teorias duvidosas ao passo que outros simplesmente as admiravam e as respeitavam. A conquista do espaço foi árdua e demorada, mas, no final, o homem chegou às estrelas. As perguntas e mistérios imaginados pela ignorância humana, porém, continuaram.
O espaço foi um grande marco em todas as esferas da sociedade humana e, por muito tempo, a exploração e a colonização foram símbolos de paz e união entre as raças e nações da Terra. Como sempre, o Homem foi inapto para gerenciar suas fraquezas e desejos mais inerentes e o que era bom, inevitavelmente, tornou-se um pesadelo pontuado pela morte e destruição causada pela maior guerra que a civilização criou.
No início, colônias lutaram entre si por território e recursos minerais tão escassos nos planetas colonizados. E todos acreditaram que o fim do conflito determinaria o retorno da paz à raça humana. Sonhos, como sempre, duram pouco e logo tudo passou a ser um pesadelo. Infelizmente, as mortes eram reais e os motivos, cada vez mais, pareciam saídos de uma antiga história de ninar da Terra pré-espacial... inexplicáveis e improváveis.

* * *
O espaço é silencioso e calmo. Sempre foi assim, pelo menos até a chegada da raça humana e suas naves de batalha. Mesmo em sua imensidão, uma grande dissonância poderia ser sentida enquanto centenas de naves de combate – e um grande número de cargueiros e transportes – alinhavam-se em aguardavam o início da batalha. Nenhum dos homens e mulheres que tripulavam as espaçonaves dava atenção para a beleza brilhante e canelada de seu planeta, que continuava lá pairando imponente no firmamento estelar, como um grande holofote que a todos iluminava com seu brilho incomum e apaixonante. Era por ele que todos lutavam, mas, na hora de seu maior sacrifício, os pilotos pensavam em suas próprias vidas. Mas continuavam esperando.
Em instantes, os radares da linha de defesa começaram a piscar e dispararam os alarmes. A força inimiga havia chegado. Uma imponente frota de guerra fez-se presente e os defensores nada podiam além de aguardar. Rendição não era uma opção, eles haviam começado com tudo aquilo e todos estavam dispostos a ir até a última conseqüência por suas convicções e crenças.
Até mesmo o mais inexperiente dos pilotos sabia que os números eram desproporcionais e que a frota de ataque do governo venceria aquela batalha e que sua resistência seria em vão. Nenhum deles se moveu.

* * *

Em questão de minutos, o almirante Pomel deu a ordem e tanto os esquadrões de caça quanto as fragatas tomaram posição. Da ponte de comando da nau capitânea do grupo de combate Concórdia – batizada como Solaris –, ele admirava o espaço. Mais uma gloriosa vitória para a Confederação e uma inevitável derrota para a civilização, pensou Vincent Pomel, conhecido por nunca perder uma batalha e único almirante confederado a recusar a ordem de aniquilar um planeta indefeso. Sempre sonhei em navegar pelo espaço e agora vivo um pesadelo ao manchá-lo de sangue. Desperdício inútil.
– Almirante, senhor.
Ele ouviu o chamado, mas continuou imóvel em frente ao painel de estrelas de seu posto observatório.
– Almirante Pomel, senhor!, repetiu o jovem imediato.
– Pois não, senhor Raiji, disse deixando seus devaneios e voltando à ponte de comando.
– Todos os esquadrões e naves de apoio estão a postos. Ordem para atacar?
Pomel permaneceu em silêncio. Cerrou os olhos e falou a seus comandados.
– Abram canais de comunicação, quero falar com o comando de defesa.
– Senhor, eles não respondem a nenhuma de nossas saudações, disse o imediato.
– Abra os canais, imediato, e faça com que todos os integrantes da linha escutem, assim como nossos combatentes. O tom sério e ríspido de Pomel não deixou dúvidas.
Depois de todas as tentativas que eles haviam feito nas últimas campanhas – sem nenhuma resposta – a tripulação esperava que o almirante tivesse desistido de vencer sem lutar. Estavam errados e o imediato arrependeu-se de contrariar a ordem de seu superior.
– Aqui fala o almirante Pomel, do grupo de batalha Concórdia. Exijo a rendição imediata de suas forças. Não somos crianças aqui e é tolice desperdiçar suas vidas. Nossa força é grande demais para vocês. Admiro sua valentia e quero honrá-los ainda mais com a opção de permitir que vivam. Por favor, respondam.
Todos permaneceram em silêncio.
E o inesperado aconteceu.
– Pelo amor de Deus, não sejam tolos! Entreguem-se e acabem com isso logo, seus malucos! A maneira como Pomel gritou e rogou aos defensores que depusessem suas armas provocou espanto em cada um de seus comandados.
Na linha de defesa, apenas a ordem de “permaneçam em seus postos” foi dado pelo comando improvisado situado no planeta. Mesmo assim, duas naves de transporte começaram a recuar. Instantes mais tarde o almirante Pomel pode ver duas pequenas explosões de sua ponte de comando.
– Sensores, o que foi aquilo?
– Eles destruíram duas de suas naves, senhor. Elas estavam recuando.
Foi o suficiente.
– Todos os postos. Ataquem.
E assim a batalha começou.
E esta será a pior de todas elas, pensou Pomel cerrando os olhos.

* * *

Ser piloto de caça estelar nunca foi algo seguro. A maioria deles morria em seu primeiro combate e os mais sortudos participavam de três ou quatro batalhas. Alguns deles, porém, pareciam ser imbatíveis. O tenente Rob Crane era uma exceção. Ele já era uma lenda antes mesmo de a guerra começar. Mesmo sem falar sobre o assunto com ninguém, todos sabiam que ele nunca havia sido vencido, nem mesmo em simuladores.
Ele era o líder do melhor esquadrão do grupo Concórdia e era informado pessoalmente pelo almirante Pomel. Nenhum comandante tinha coragem de encará-lo. Respeitado e temido por seus companheiros, Rob era uma espécie de deus a ser seguido no campo de batalha. Rob pilotava um caça preto e dourado, sempre a nave mais avançada na formação de combate. Alguns pilotos costumam dizer que com Rob é assim: um tiro, um inimigo a menos.
Para seus inimigos ele tinha um nome: Arcanjo.
Atrás de todos os esquadrões, um grupo especial de naves de resgate estava a postos. Normalmente, estas naves eram utilizadas para salvar a vida de pilotos que, com muita sorte, conseguiam ejetar antes de terem suas naves destruídas. Porém, a fúria da batalhas era tamanha que poucos tinham esta oportunidade e sobreviver era praticamente um milagre. O grupo Concórdia, porém, tinha um grande número destas naves justamente pela presença do tenente Crane. Ele era tão preciso – e tinha uma motivação misteriosa – que era capaz de sempre desabilitar os motores de seus oponentes sem, na maioria das vezes, matar os adversários.
Boa parte dos pilotos acreditava que isso era coisa de sua proximidade com o almirante, mas ninguém sabia ao certo o que o levava a lutar com tanta habilidade e, mesmo em situações extremas, não eliminar seus adversários.
Antes desta batalha ninguém havia visto Rob. Ele havia ido ao alojamento do almirante logo pela manhã, enquanto a frota ainda estava viajando na velocidade da luz, mas ninguém, além deles dois, sabia o que havia acontecido. Rob desapareceu desde então.
O caça estelar de Rob Crane havia sido o último a chegar à formação. Os controladores de vôo estranharam, já que ele era sempre o primeiro a partir para o espaço e o último a retornar. Rapidamente informaram ao almirante, que nada disse e continuou a observar o espaço pela janela de seu posto observatório.
Joe Pilgrim, outro veterano do grupo de Rob e um dos poucos que conversava com ele, tentou contatá-lo pelo rádio, mas não obteve resposta. Se ele falhou, mas ninguém tentou. E com isso, os pilotos ficaram um pouco preocupados e com sensações estranhas.
– Será que eles tem alguma arma secreta que deixou até Rob com medo?, perguntou Ryan O’Neil, capitão da fragata Lightining, a sua tripulação.
– Não sei, capitão. Acredito que o almirante teria nos informado durante as instruções antes de chegarmos. Realmente não sei.
– Todos os postos em prontidão, não quero nenhuma surpresa! Anunciou O’Neil a sua tripulação e também ao esquadrão responsável por sua escolta.
Esta conversa repetiu-se entre vários pilotos e naves de apoio que formavam a força de ataque do Concórdia.
Enquanto os pilotos recebiam instruções e discutiam o que havia acontecido a Rob Crane, as freqüências foram interrompidas para a solicitação de rendição feita pelo almirante Pomel. Todos permaneceram em silêncio, como de costume e, logo em seguida, aceleraram suas naves ao ouvirem a ordem de atacar.
Rob não esperou a ordem. Ele viu as duas naves sendo abatidas por debandarem e acelerou seu caça para força máxima, reforçou seus escudos e não esperou seu esquadrão. Ao notarem sua reação, os demais integrantes do esquadrão Foxtrot seguiram em velocidade máxima, assim como as cinco naves de resgate que tinham orientação de recolher os alvos de Rob assim que ele os desabilitasse.
O que ninguém sabia era que, no interior do caça de Rob, não havia o resto da esquadrilha, não havia a frota, não havia uma guerra. Enquanto acelerava, ele segurou, mais uma vez, uma foto que havia tirado há alguns meses com seu irmão – Clay Crane, membro das forças especiais terrestres e um dos melhores soldados da confederação. Os dois apareciam sorridentes e abraçados sob um Sol agradável, na antiga casa da família, na Terra. Havia sido a última folga dos dois e, desde então, só se falavam por cartas ou mensagens pela rede militar.
Rob olhou para a imagem de seu irmão, não se esforçou para conter uma lágrima, baixou seu visor e partiu. Sem piedade. Eles vão morrer.

* * *

Assim que deu a ordem de ataque, o almirante Pomel deixou a ponte de comando. Sua presença era desnecessária, em pouco tempo a batalha estaria terminada, os defensores seriam valorosos como sempre, mas acabariam derrotados. Ele percorreu os corredores vazios e iluminados pelas luzes de alerta vermelho de sua nau capitânea até os alojamentos dos oficiais.
Parou por instantes frente à porta identificada como: Ten. Crane, Rob. Esquadrão Foxtrot. Reg. 1138. O+.
– Código de acesso: Peregrino. Abrir compartimento. Prioridade de emergência, ordenou Pomel ao sistema de segurança.
– Afirmativo. Identificação válida. Acesso permitido, almirante, disse a voz metálica do computador.
Depois de respirar profundamente, Pomel entrou no quarto de Rob. Como imaginou, viu sob sua mesa um envelope oficial rasgado e, ao lado, uma carta com o emblema da Confederação da Terra. O conteúdo ele conhecia, assim como o texto padrão que todos os familiares de soldados recebiam quando seus entes queridos morriam no cumprimento do dever. Bobagem, eles merecem muito mais do que cartas. É muito triste pensar que hoje o melhor e mais nobre vai se tornar o mais letal e temido. Infelizmente.
Na carta lia-se, entre outras coisas: Sentimos muito pela morte do coronel Clay Crane, que morreu heroicamente ao salvar a vida de duas garotinhas durante um ataque surpresa à base confederada de Marte. O restante não interessava, aliás, a própria carta nem precisaria ter sido aberta.
– O Arcanjo está morto. E tenho medo pelo que nascerá nesta batalha.
Pomel falou ao vento, olhou pela pequena janela no compartimento de Rob e lamentou não ter convencido seu amigo a não lutar, ou, ao menos, aliviar sua dor. Nada foi possível. Há coisas que, simplesmente, não podem ser impedidas e o ódio de Rob tornou-se grande demais até mesmo para ele.
– Que Deus tenha piedade daqueles pobres coitados.

Rob acelerou arrojadamente direto para a linha de defesa e não respondia a nenhum chamado de seu esquadrão. Praticamente todos os pilotos tentavam falar com ele para pedir ordens, já que ele era o líder do grupo. Nenhum deles continuou a chamar quando Rob enfrentou o primeiro inimigo.
Um tiro certeiro. Uma explosão instantânea. Sem sobreviventes.
E esse foi o destino de toda e qualquer nave de combate, ou não, que entrasse no campo de ação do caça negro e dourado de Rob. Ele dançava freneticamente entre os inimigos, disparando raios laser e mísseis em tudo que se movia e não era do Concórdia. O comandante do grupo de naves de resgate não sabia o que fazer e enquanto tentava, inutilmente, seguir o ritmo veloz de Rob, recebeu uma mensagem pelo rádio.
– Comandante, aqui fala controle Concórdia. Aborte sua missão. Adote postura padrão e priorize nossos pilotos. Câmbio.
A ordem era clara. Aquele não era o Arcanjo, mas uma força tão poderosa quanto a ira de um anjo cairia sobre os revoltosos. Eles haviam se levantado por independência e várias outras razões menores e fúteis, mas não ganharam nada mais que desaparecer em meio a explosões e destroços no espaço frio. Solitário. Esquecido.

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Esta história continua, mas não aqui. Ela renderá algumas páginas, muito em breve. :)

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