sexta-feira, outubro 29, 2004

Rio Inóspito

Na solidão da noite, ficamos à mercê de nossos medos, de nossos segredos, de nossa verdade. Nossos rostos, finalmente, não precisam representar para aquela sempre atenta platéia de pessoas com quem convivemos durante o dia todo. Se te lembras de memórias felizes, esta felicidade será pura e do seu jeito. Se a lembrança é de tristeza, lamentarás com a maior emoção. Mesmo que nunca descubramos qual é nossa verdadeira face frente às mais distintas reações e emoções – afinal, basta haver um espelho para que, automaticamente, comecemos a atuar – sabemos que naquele momento único, e solitário, somos nós. Indivíduos. Pessoas. Sozinhos.

Em meio àquela miríade de idéias desconexas, imagens recentes, medos ancestrais, planos imediatos, idéias geniais e tantas outras coisas que pensamos e imaginamos quando nos entregamos ao relaxamento de nossas camas, somos capazes de pensarmos em nós mesmos e nos entregarmos a nossos verdadeiros anseios.

E, nessa hora mágica, os medos também surgem e reagimos – sem o menor controle – da maneira que queremos. Mais intimamente. Sem preconceitos. Sem preocupações. Pode ser uma gargalhada para espantar os temores, pode ser a retração corporal para se esconder das sombras da noite, podem ser as lágrimas. Lágrimas sinceras, lágrimas verdadeiras, lágrimas desesperadas e entristecidas.

Elas são capazes de formar um rio que, em meio a soluços e bravatas solitárias contra o vazio, leva parte da dor, alivia o medo e refresca a alma. Rio gelado de puro pesar. Que faz pensar. Ponderar. Sonhar. E continuar a chorar.

Navegar neste inóspito rio traz muitas lembranças, memórias e marcas pesadas de nossas vidas. Assim como um filme desfocado que se desenrola na escuridão, revivemos sentidos, emoções, cenas e conversas de tempos passados como crianças experimentando fortes emoções. E assim, permitimos a nós mesmos revisitar erros e medos. Fica a escolha de enfrentá-los ou simplesmente viver tudo novamente.

O importante é navegar. Morrer para renascer. Renascer para relembrar a beleza da vida. Viver para amar e continuar amando.

E o ciclo se repete.

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