terça-feira, novembro 23, 2004

O Pilar e a Gema

Imagine que existe um grande pilar que sustenta o firmamento de forma silenciosa e constante. Vislumbre todos os seus detalhes calmamente esculpidos por seus criadores e vigias durante gerações e gerações da existência. Todos lá, alheios às indas e vindas daqueles que abaixo deles viviam. Que cena deslumbrante é essa, ainda mais por ser “apenas” um pilar.

Toda essa grandiosidade foi dedicada e concedida ao pilar para que ele – na verdade, sua simples existência – pudesse realizar uma tarefa tão importante quanto manter o firmamento e a ordem por Eras e Eras da existência.

Por muito tempo, o pilar se manteve forte, inabalado e constante. Inconstante, porém, foi o surgimento de seu desejo por conhecimento, pelas razões de sua existência. Foi então que ele notou a presença de outras formas, outros seres, um só mundo. Também percebeu que algumas destas entidades tentavam chamar sua atenção e se aproximar de sua majestade.

Era um novo tempo e esses seres não mais queriam adorná-lo ou reforçá-lo, mas sim, buscar seu conselho, seu apoio, e, inadvertidamente, um pouco de sua força. O pilar, do alto de sua bondade e benevolência, abriu seus domínios a todos que quisessem compartilhar sua presença e seu conhecimento. Infelizmente, a abertura também permitiu que uma fina camada de água começasse a penetrar em sua base. Demorou até que a consciência do pilar compreendesse aquela estranha sensação. Quando o fez, achou bom, pois desconhecia tal elemento e lhe agradou o contato.

Com o passar do tempo, os seres e entidades ficavam cada vez mais próximos ao pilar, subiam em suas gravações, aproveitavam, aprendiam, retiravam e, apenas, alguns devolviam, retribuíam. O que o pilar também desconhecia era o efeito de todo esse contato. Sua bondade era extrema e tudo que ele fazia ou permitia que lhe fosse feito era imbuído de luz e carinho. O tempo passou, aqueles que lhe acompanhavam pegavam o que queriam e partiam para nunca mais voltar. E a água começou a subir.
Por muito tempo, o pilar aprendeu coisas com as tais criaturas e ampliou seu já vasto conhecimento.

Certo dia, ele sentiu – pela primeira vez – falta de alguma coisa. Em sua base havia uma gema de beleza única e idade ancestral. Embora o pilar não soubesse, ela havia sido posta lá por seu criador, seu pai. Todos que perto chegavam por ela eram cativados por seu brilho cintilante e sensação acalentadora. Quando o pilar teve esse estranho sentimento, buscou em suas bases a percepção daquela parte de sua existência, não mais a sentiu como parte de si. Havia desaparecido. Em seu lugar, apenas a água que há muito começara a corroer suas fundações.

Ele estendeu seus sentidos e percebeu que sua gema, uma parte da razão de sua existência, estava sendo levada, lentamente, para longe por alguns daqueles seres que, certa vez, ele havia admitido em seus domínios. O pilar nada podia fazer, a não ser lamentar e então ouvir o lamento daqueles que a ele permaneciam fiéis. Ele passou tanto tempo inebriado pela bondade que distribuía e por suas novas descobertas que não deu atenção à ruína que surgia em sua fundação, na retirada de uma parte de si, e na partida daqueles que o prejudicaram.

E o mais importante, ele não notou que, agora, aqueles que o idolatravam agora o seguravam, escoravam e lutavam contra as ondas que se chocavam violentamente com o pilar. Um desses seres, o maior de todos os fiéis, tomou para si a maior das tarefas e, sem pestanejar, envolveu seus grandes braços e direcionou toda a sua força para impedir que o pilar se movesse mais um milímetro sequer em direção ao chão.

E assim ele ficou, solitário, dedicando sua existência à preservação do pilar, do firmamento que ele sustentava, e todos que sob ele viviam. E o pilar não mais se moveu. Foi assim por um tempo, mas alguns dos seres ainda continuavam a lamentar a perda da gema e a ruína de seu principal apoio. Seu motivo de existir.

Foi então que um grupo dos mais queridos – especialmente os cansados de lastimas e de tristeza – deixaram a base do pilar do firmamento. Instintivamente, alguns moveram-se para o lado do grande fiel, que passaram a ajudá-lo em sua incansável tarefa. Outros, dotados de habilidade extrema e iluminados pela luz e sabedoria do pilar, deixaram seus domínios a fim de recuperar sua preciosa gema. Só ela, descobriram eles, seria capaz de restaurar a base do pilar, acabar com o pesar e realinhar a vida.

Que nos seja permitido encontrar esses pilares de nossas vidas e, ao contrário daqueles que partiram e deixaram o pesar, possamos manter nossas convicções e tenhamos a sabedoria para devolver o amor e a sabedoria que nos foram concedidas com tanta bondade e apreço. No fim das contas, como em toda história feliz, o pilar permanece e felizes são aqueles que o apoiaram em sua necessidade. Ah, a gema... bem, ela está em nossos corações, não importa o quanto tentem tirá-la de nós, ela sempre estará lá e teremos força para reencontrá-la e reforçá-la. Sempre.

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