sexta-feira, setembro 30, 2005

Anoitecer na Ravina

Anoitecer na Ravina

Certo dia, Beregond encontrou seu filho. Sentado numa ravina, apreciando o pôr do sol, o bardo viu um garoto se aproximar. Calmo, mas com um sorriso angelical no rosto, o menino de cabelos claros e olhos cativantes foi chegando cada vez mais perto. Às vezes, desviava seu olhar para uma borboleta que passava por ali, ou perseguia um grilo em disparada pela grana. E continuava chegando mais perto.

Beregond nunca havia visto o garoto, que poderia ser qualquer um, mas, de alguma forma, ele sabia que ali vinha seu filho. Uma sensação estanha tomou conta do bardo, que chegou a duvidar de seu sentimento, mas, quanto mais se questionava, mais a certeza crescia. Ele queria ir ao encontro do garoto, mas lhe agradava vê-lo brincando com a natureza.

Como se assistisse a um espetáculo, Beregond limitou-se a olhar. E por muito tempo olhou. Por vezes, o garoto olhava para ele, sorria e continuava a brincar.
Por fim, eles se encontraram. Beregond estava pensando numa nova poesia e nem percebeu que a seu lado estava sentado o garoto. O filho.

Como se chama?, perguntou o bardo, enquanto sentia cócegas por uma formiga que andava por sua mão. O garoto, nada respondeu, e imitou o gesto, procurando por uma formiga na grama.

De onde vens, pequenino?, tentou novamente. Desta vez, Beregond deitou-se e entrelaçou os braços atrás da cabeça. Com um sorriso, o menino, novamente, o imitou. E gargalhou. Deitados eles ficaram por uma eternidade. A presença do garoto era reconfortante, e bastante alegre, mesmo sem falar nada.

E juntos eles se assustaram com um bando de pássaros que saiu das árvores em polvorosa, suspiraram quando o Sol finalmente se pôs, e contaram as estrelas em volta da Lua procurando a estrada para a terra eterna. Beregond não perguntou mais. Algo lhe dizia que não era necessário. E simplesmente desistiu. Escolheu aproveitar o momento.

O garoto dava risadas. Rolava pela grama. Agora foi Beregond quem o imitou. Brincaram muito, trocaram muitos olhares. Uma coruja chegou, pousou num galho próximo e os observou por um longo tempo. Eles olharam de volta e seriam capazes de entrar e viajar pelo conhecimento do pássaro, mas preferiram ficar ali mesmo. E assim foi.

Beregond adormeceu e não viu o garoto partir. Ganhou um beijo, um carinho, e dormiu mais profundamente.

Na manhã seguinte, era seu amigo pardal quem estava a seu lado. Beregond perguntou sobre o filho e o companheiro lhe contou que era realmente seu filho, mas ele só viveu por um momento que se transformou na eternidade da mente do bardo. Sentou-se novamente no gramado e contemplou os primeiros raios do Sol que vinham das montanhas do Leste. Uma lágrima escorreu e, conta o pardal, milhares de navios poderiam navegar por suas conturbadas ondas de tristeza.

Então, Beregond repetiu a pergunta: Qual é o nome dele?

O pardal fez um piu, olhou para baixo e tocou com o bico no solo. Olhou para o amigo e partiu.

Beregond olhou para o mesmo lugar e lá encontrou uma palavra escrita por gravetos: Futuro.

E se lembrou de tudo que poderia ter sido, ou que do ainda estar por vir.

Lá no alto, o pardal só observava.

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Sail Away in the tears of time...

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