quarta-feira, setembro 21, 2005

Vazio

Desde pequeno, Beregond, assim como seus jovens amigos, foram ensinados a temer muitas coisas. Deviam temer o escuro, o fogo, o desconhecido e os desconhecidos. Deviam ter medo da morte. Eram tantos medos devidos que a própria vida não era vivida, mas temida, afinal de contas, somente vivendo era que todos poderiam exercer todo esse medo ancestral.

Certa vez, conversando com seu amigo pardal, Beregond ouviu uma antiga história sobre o escuro. Havia uma porta negra, dizia o pardal, que foi aberta pelo Homem. O que todos viram era apenas num contorno negro, sem cor, sem movimento. Um vazio incômodo de onde nada poderia vir. As pessoas olharam, questionaram, não entenderam, e tiveram medo. E assim foi para a maioria da Humanidade. Sempre olhando, sempre com medo, sempre distante.

Enquanto o pardal contava sua lenda, o bardo lembrou-se da infância. E de um velho baú que seu pai guardava num dos cantos da casa. Curioso, ele foi bisbilhotar no baú uma vez e, quando abriu, levou um susto, pois só o que conseguia ver um negrume opressivo. Toom. Fechou abruptamente.

Por anos, aquela ausência de matéria, aquele vazio incômodo o perseguiu. Em sonhos, em lembranças, na simples presença do baú. Sua presença, porém, foi diminuindo com o tempo até se transformar numa simples lembrança de infância.

Pouco antes de sua aventura pelas florestas do mundo, porém, Beregond retornou à casa de seu pai e lá estava o baú. A primeira reação foi de um medo ancestral, mas os tempos eram outros. Ele decidiu, mais uma vez, olhar para dentro da caixa, mas temia reavivar o medo do nada.

Respirou fundo antes de abrir. E lá estava ele. O Vazio. Desta vez, porém, o medo não o venceu e Beregond resolveu arrastar o baú para baixo da janela, onde a luz do Sol entrava cordialmente. Num momento mágico, e único, a luz invadiu as trevas. As cores dançavam, se entrelaçavam. E, logo, o preto deu lugar a um dourado deslumbrante.

Maravilhado, Beregond olhou para dentro da caixa e logo reconheceu marcas no fundo de madeira. Uma imagem. Um homem segurava um garotinho. Ambos sorriam muito. E o bardo logo sorriu também.

Abaixo da figura entalhada estavam o nome de seu pai, o dele próprio e a frase: Enfim estás pronto, meu filho. Vá e conquiste o mundo.
A história é tão chata que ri de ódio, amigo? Perguntou o pardal. Deixe-me contar o fim, agora que tenho sua atenção.

E continuou.

O que todas aquelas pessoas não imaginavam era que atrás daquela porta, por tanto tempo evitada e temida, havia a entrada para um dos mais belos vales de toda a existência. Muitos a chamavam de Éden, outros de Paraíso, mas os mais sábios e valentes, que enfrentaram o desconhecido, conheciam aquele lugar como seu lar.
Deu um pio. E voou de volta para a floresta.

Já era noite. O bardo olhou para o céu e, pela primeira vez, não viu um véu negro pontilhado por estrelas. Mas sim um mar de estrelas rodeadas por milhões de possibilidades.

...

Sail Away

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