sábado, julho 15, 2006

Essas Histórias Nobres e seus Heróis Adormecidos

“É um reino de consciência, ou nada.”
- versão cinematográfica de Balian, Defensor de Jerusalém.

A chegada do novo Super-Homem aos cinemas foi capaz de relembrar muitas pessoas de seu herói predileto, do alienígena mais humano que a ficção científica já viu e, inevitavelmente, serviu para recuperar um ideal há muito deixado de lado: a verdadeira nobreza humana. É claro que, especialmente para Clark Kent, seja mais fácil lutar por um ideal quando não precisa se preocupar com balas, explosões e fazer isso com uma identidade secreta (nunca duvidem do poder de um par de óculos!), mas o formato de um herói tão representativo quanto o último sobrevivente de Krypton tinha uma razão de ser em sua criação e, agora, mais do que nunca, volta a ter relevância. Pelo menos, para aqueles que enxergam além dos efeitos especiais.

Muitos de nós crescemos ouvindo histórias sobre príncipes de reinos distantes que resgatavam princesas há muito perdidas de feras e desafios mitológicos. As primeiras brincadeiras invariavelmente eram os primeiros passos do “capa-espada”. Um dos primeiros modos de impressionar “pretendentes” era mostrar bravura e inteligência perante algum desafio, assim como os bravos do imaginário da antiguidade. Até que, um dia, alguém decidiu que era hora de parar de sonhar e “começar a viver” – a vida atual, imposta, privada de sonhos e sem escapatória. A partir deste momento, tudo aquilo que havia sido ensinado passou a ser negado e veementemente tachado como “brincadeira de criança”. Por mais que alguns ainda façam de tudo, mesmo que inconscientemente, para proteger a família, a namorada, a esposa, os filhos, para a maioria dos homens, acaba aí a fantasia.

Mergulhar nas HQs é um modo de retornar a esses modelos, mas, como seres “intelectualizados” e até um pouco exibidos, encaramos tudo aquilo como forma de arte, analisamos em convenções, escrevemos sobre o assunto e, vez por outra, surge alguém disposto a produzir. Tudo em nome da arte, é claro. De qualquer forma, o herói da infância volta e lá encontramos sujeitos como o imbatível Super-Homem, o genial Batman, o incansável Demolidor, o divertido Asterix, e, sem demérito, o “limitado” Tin Tin. Eles continuam a salvar a princesa e derrotar o dragão e, de certa forma, mantém a lembrança do espírito de nobreza viva.

Mesmo assim, o termo nobre acabou ficando muito marcado pelos cavaleiros medievais e filmes de fantasia, que, na maioria das vezes, eram tratados como bobagens juvenis. Só que algumas destas “bobagens” conseguiam, vez por outra, atravessar a barreira e entregar a mensagem ao grande público. Coração de Dragão foi um dos mais interessantes ao retratar a honra tanto no homem quanto no lagarto voador, porém, ambos são traídos pela ganância do “novo homem”. Outro que seguiu o caminho foi Coração de Cavaleiro que, em tom de comédia, defendia a verdadeira nobreza independente de classe social ou dinheiro. “Seus homens te amam, e isso é o suficiente para mim”, disse o príncipe Eduardo ao jovem William, em seu momento de elevação.

Embora tenha origens mais antigas, As Crônicas de Narnia – O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa e os demais livros de C.S. Lewis são grandes estandartes dos ensinamentos cavalheirescos, mas, assim como o desempenho nas bilheterias e a recepção de parte da crítica deixaram claro que era “coisa de criança”, o que não impede de levarmos em conta toda a construção do personagem Pedro Pevinsie, com sua incessante vontade de proteger seus irmãos e fazer sempre o que é certo. Ingênuo, mas puro.

Pode ser que justamente esta fácil relação entre bondade e ingenuidade tenha afastado os modelos atuais destes conceitos, afinal, todo bom moço tende a, no princípio, ser facilmente ludibriado pelo vilão e só consegue virar o jogo, normalmente, com alguma ajuda especial. Ultimamente, podemos sentir que a maioria das pessoas busca a esperteza e o famoso jeitinho de levar vantagem, seja para benefício pessoal ou financeiro. O sucesso de jogos como GTA San Andreas e do poderio financeiro e social do movimento rap norte-americano só comprova o culto ao valentão, ao rufião, termo que era muito utilizado nas traduções dos antigos contos de fadas. Muito diferente da preferência de muitos fãs a vilões como Darth Vader, Hannibal ou Khan, a devoção a anti-heróis reais acaba por afastar mais ainda a sociedade de um caminho mais produtivo. Por quê cantar sobre a paz se a violência é tão mais sedutora e lucrativa?

A esperança, porém, não acabou, já que alguns diretores e produtores ainda tentam mostrar caminhos e mundos melhores para o povo. Por mais romanceado que tenha sido o resultado de Cruzada, de Ridley Scott, a tônica do filme acaba sendo a idéia de que ações valem mais que conceitos ou palavras. Acima de religião ou interesse financeiro, de acordo com o filme, Balian – o herói de Orlando Bloom – defende o ideal do “nobre perfeito”, um homem disposto a tudo para não trair suas convicções e proteger aqueles à sua volta.

Ele vai contra a Igreja, contra o pensamento bélico e violento e arrisca tudo que foi conquistado pelos cruzados em prol de uma mentalidade pura, longe de ingênua, e produtiva – pelo menos na versão do filme, já que na história real, houve um grande pagamento a Saladino pela liberdade dos moradores de Jerusalém. Como a frase de início diz, Balian luta por um mundo consciente, pois somente assim, ele acredita, haverá paz e bondade entre as pessoas. É clareza de espírito ou a morte. Nobreza ou mesquinharia. Por mais que o personagem seja o paladino ideal, sutilmente escrito para parecer impecável – mesmo quando mata um sacerdote, o público entende sua razão e não o recrimina –, ele tem uma função claramente definida no filme: redimir a si mesmo e tentar estender sua redenção aos demais nobres de Jerusalém, tarefa na qual falha justamente pelo abismo de conceitos entre seu pensamento e o ideal de boa parte dos demais cruzados. Era o ideal contra a espada.

Embora muito focado na realidade norte-americana, o Super-Homem foi o personagem que mais simbolizou o bom-moço, o esforço incondicional e, acima de tudo, a doação extrema pelo povo que o acolheu. Sinceramente, é mais válido manter a visão original do herói em vez de incorporar as novidades de Smallville, que traz simplesmente um adolescente com alguns poderes especiais. E ponto. O kriptoniano é muito mais que isso e sua versão madura apresentada nos quadrinhos e no cinema mostra, efetivamente, o que ele é e sua verdadeira função em nossa cultura.

Praticamente um nobre cavaleiro, mas sem montaria ou armadura, o Homem-de-Aço é o mais próximo que podemos ter do antigo modelo do nobre protetor e, com uma vantagem, sem a possibilidade de corrupção. Por ser um sujeito ideal, moldado ao longo dos anos e com uma função bem definida, ele não pensa em dinheiro, fama e seu único desejo é o de ser correspondido em seu amor. Aliás, esse é um dos pontos mais marcantes do novo filme, já que Kent precisa reconquistar Lois, a mãe de seu filho.

Agora, mais do que nunca, ele tem uma razão para defender a Terra, como tantos outros fizeram antes dele. E é justamente aí que toda a sua importância faz sentido, pois, milhares de pessoas espalhadas pelo mundo podem voltar a ver as pequenas razões que tem para olhar para a vida de um modo diferente e melhor. Ser super-homem ou mulher maravilha, como recorrentemente mostrado por propagandas de TV, pode ser função de cada pai e mãe. Salvar o mundo, não necessariamente, precisa ser uma aventura a lá Jack Bauer, mas sim lembrar de como aprendemos na infância, das histórias, de como era ser valente, da doce sensação de conseguir salvar a princesa do terrível dragão de mentirinha. E de como era bom aquele tempo sem preocupações, problemas morais e que tudo se resolvia com um belo sorriso.

A consciência é uma ferramenta poderosa para o ser humano. E a nobreza é um dom que todos temos. Só precisamos saber unir as duas coisas para que o mundo real ganha um pouco de fantasia. E beleza.

- Fábio M. Barreto / Publicado na Sci-Fi News 101, Julho de 2006.

Nenhum comentário: