domingo, maio 23, 2004

Novidade

Foi um dos pequenos pardais do bosque encantado que disse a Beregond sobre um lugar fabuloso que havia há uma certa distância dali. O jovem bardo escutou com interesse e curiosidade as fábulas contadas pelo pardal e, às vezes, por outros de seus amigos animais. Tudo era muito grandioso, novo e belo. É claro, parecia muito mais belo do que a terra natal do nosso intrépido herói. Pois é, caro leitor, por mais que se viva num lugar inigualável, o desconhecido sempre parece ser mais apetitoso, proveitoso e jeitoso.
E conforme ouvia tais histórias, ele criava um certo desejo de então conhecer tal reino mágico. Porém, tal viagem precisaria de tempo e muitas moedas de ouro, itens raros especialmente a um jovem sonhador e guerreiro como Beregond.
Beregond era conhecido por sua dedicação, inteligência e prodigiosidade. Era jovem, mas experiente e isso às vezes o colocava em situações desagradáveis já que alguns não acreditavam em suas narrativas, aventuras, vitórias e nem mesmo nas derrotas. Fosse pela palavra ou pelo pergaminho, seus contos tornavam a menor das trivialidades numa aventura grandiosa. E assim contava sua história, para quem por ela se interessasse. Por fora, o riso ou a reverência não o afetavam, mas algumas gargalhadas eram mais mortais que a ponta fria da espada capaz de despedaçar a alma e roubar-lhe a alegria.
Num de seus momentos mais escuros, Beregond deixou tudo que lhe era caro e, sem saber muito bem a razão, partiu numa jornada meio errante, meio delirante. Parte de seu amor ficou para trás num longo abraço, outra parte permaneceu num lindo sorriso, enquanto seu orgulho ficou escondido, debaixo da cama, fazendo companhia para o monstro que lá morava, mas sem dizer palavra sequer. Orgulho envergonhado, sem força para se levantar.
E assim partiu. Beregond não mais era conhecido como o Alto. Havia se tornado mais um aventureiro na terra das promessas. Vencedor que é, não desistiu e mostrou tanto aos desafortunados quanto aos senhores daquela terra que não era um mero aproveitador, mas digno de respeito e reconhecimento.
Notícias de suas conquistas alcançaram seu querido bosque. O pardal contador de histórias as ouviu, deu um piu e partiu. E, por ali, ninguém nunca mais o viu. E o furor que deveria causar, conseguiu apenas o pesar. Da menor das fadas à mais antiga das árvores, não havia um só ser encantado que não sentisse a falta do amigo sonhador, que a todos brindada com suas histórias e imaginação.
Tudo isso, porém, demorou a acontecer, já que Beregond, o então ninguém, havia esquecido seu orgulho, e só faltou juntar entulho. Sem poder usar suas belas palavras ou doces rimas, suas mãos calejadas e olhos cansados tornaram-se suas marcas por muito tempo. De seu amor lembrava-se todos os dias, como se uma pequena lembrança fosse a única coisa capaz de alimentar sua vontade e motivá-lo a continuar naquela tarefa insana. E desumana.
O caminho, porém, estava traçado e era seu destino trilhá-lo. Lutou, então, de Sol a Sol, num mar de solidão e apenas com a lembrança da paixão. Fez fortuna, diziam, mas a cada fim de dia, não apenas seu corpo e seus olhos – sempre no alto da grande torre no porto –, mas também sua alma se voltava para o Sul. Como que se esperasse pela chegada de um simples aroma ou resquício do ar que houvesse tocado sua terra e seus amigos.
Ele havia prometido que voltaria em breve. Afinal de contas, encontrar aquelas respostas não deveria ser tão difícil, assim como conquistar novos amigos e riquezas. Promessa quebrada, assim como seu coração. Ficara por lá, solitário e, de certo modo, temerário pelas incertezas que o aguardavam.
Diziam que para lá rumou o pardal contador de histórias e que ambos permaneceram juntos anos a fio, numa amizade única e verdadeira. O homem que não mais contava histórias, e o pássaro que não se cansava de entoá-las ao amigo, como que se tivesse algum propósito escondido em cada uma de suas lendas e fábulas.
Desde então, ao olhar para o Sul sobre as cintilantes ondas do mar, ou sob o delicioso brilho da Lua, Beregond imaginava como estavam seus queridos amigos, sua família e tudo aquilo que, sem saber, havia deixado guardado com seu orgulho esquecido. A pequena bolsa, a princípio, foi tomando dimensões e, em alguns anos, tornou-se um grande baú. Lá dentro, uma vida. Descontinuada, de certo modo esquecida, mas marcada por muitas coisas boas que não mais se repetiriam justamente por pertencerem a alguém que não mais se reconhecia ao olhar no espelho e que, ao entrar naquele maravilhoso bosque encantado, talvez não fosse capaz de reconhecer sua beleza, seus amigos e seu amor – que havia partido tantas vezes dentro de envelopes, garrafas lançadas ao mar, desejos transmitidos pelo vento ou com uma simples rima. Tão simples como a vida e triste como a partida.
Muito tempo depois (ou teriam sido apenas alguns dias?), o imenso baú rompeu-se e, da esquecida cabana, partiu em disparada o orgulho. Meio desnorteado pelo imensurável tempo enclausurado foi ele, em busca de seu dono. No fundo do baú, restava apenas uma pequena fagulha de um grande amor, sentimento responsável pela abertura da clausura e cuja vida agora dependia da união de uma alma com seu espírito. E da lembrança de tudo que fora e viria a ser. E assim desembestou o orgulho, pulsante, cheio de vida. E esperança.

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